segunda-feira, 28 de março de 2011

O sotaque das mineiras - vale a pena ler

      O sotaque das mineiras deveria ser ilegal, imoral ou engordar. Afinal, se tudo que é bom tem um desses horríveis efeitos colaterais, como é que o falar sensual e lindo das moças de Minas ficou de fora?
      Porque, Deus, que sotaque! Mineira devia nascer com tarja preta avisando: 'ouvi-la faz mal à saúde'. Se uma mineira, falando mansinho,me pedir para assinar um contrato doando tudo que tenho, sou capaz de perguntar: 'só isso?'. Assino, achando que ela me faz um favor.
      Eu sou suspeitíssimo. Confesso: esse sotaque me desarma.
      Certa vez quase propus casamento a uma menina que me ligou por engano, só pelo sotaque.
      Os mineiros têm um ódio mortal das palavras completas. Preferem, sabe-se lá por que, abandoná-las no meio do caminho. Não dizem: pode parar, dizem: 'pó parar' Não dizem: onde eu estou?, dizem: 'onde queu tô.'Os não-mineiros, ignorantes nas coisas de Minas, supõem, precipitada e levianamente, que os mineiros vivem - lingüisticamente falando - apenas de uais, trens e sôs.
      Digo-lhes que não. Mineiro não fala que o sujeito 'é competente' em tal ou qual atividade. Fala que ele 'é bom de serviço'. [...]
      [..] O verbo 'mexer', para os mineiros, tem os mais amplos significados. Quer dizer, por exemplo, trabalhar. Se lhe perguntarem com o que você 'mexe', não fique ofendido. Querem saber o seu ofício.
      Os mineiros também não gostam do verbo conseguir. Aqui ninguém 'consegue nada'. Você 'não dá conta'. Sôcê (se você) acha que não vai chegar a tempo, você liga e diz: '- Aqui, não vou dar conta de chegar na hora, não, sô.'
      Esse 'aqui' é outra delícia que só tem aqui. É antecedente obrigatório, sob pena de punição pública, de qualquer frase. É mais usada, no entanto, quando você quer falar e não estão lhe dando muita atenção: é uma forma de dizer 'olá, me escutem, por favor'. É a última instância antes de jogar um pão de queijo na cabeça do interlocutor.
      Mineiras não dizem 'apaixonado por'. Dizem, sabe-se lá por que, 'apaixonado com'.
      Soa engraçado aos ouvidos forasteiros. Ouve-se a toda hora: 'Ah, eu apaixonei com ele...' Ou: 'sou doida com ele' (ele, no caso, pode ser você, um carro, um cachorro).
      Eu preciso avisar à língua portuguesa que gosto muito dela, mas prefiro, com todo respeito, a mineira. Nada pessoal. Aqui certas regras não entram. São barradas pelas montanhas.
      Por exemplo: em Minas, se você quiser falar que precisa ir a um lugar, vai dizer: - 'Eu preciso de ir..' Onde os mineiros arrumaram esse 'de', aí no meio, é uma boa pergunta... Só não me perguntem! Mas que ele existe, existe. Asseguro que sim, com escritura lavrada em cartório.
      No supermercado, o mineiro não faz 'muitas compras', ele 'compra um tanto de coisa'. O supermercado não 'estará lotado', ele 'terá um tanto de gente'. Se a fila do caixa não anda, é porque está 'agarrando' lá na frente. Entendeu? Agarrar é agarrar, ora!
      Se, saindo do supermercado, a mineirinha vir um mendigo e ficar com pena, suspirará: '- Ai, gente, que dó.'
      É provável que a essa altura o leitor já esteja apaixonado pelas mineiras... Não vem caçar confusão pro meu lado! Porque, devo dizer, mineiro não arruma briga, mineiro 'caça confusão'.
      Se você quiser dizer que tal sujeito é arruaceiro, é melhor falar, para se fazer entendido, que ele 'vive caçando confusão'.
      Ah, e tem o 'Capaz...' Se você propõe algo a uma mineira, ela diz: 'capaz' !!! Vocês já ouviram esse 'capaz'? É lindo. Quer dizer o quê? Sei lá, quer dizer 'ce acha que eu faço isso'!? com algumas toneladas de ironia.. Se você ameaçar casar com a Gisele Bundchen, ela dirá: 'ô dó dôcê'. Entendeu? Não? Deixa para lá.
      É parecido com o 'nem...' . Já ouviu o 'nem...'? Completo ele fica: '- Ah, nem...' O que significa? Significa, amigo leitor, que a mineira que o pronunciou não fará o que você propôs de jeito nenhum. Mas de jeito nenhum.
      [...]
      Ainda não entendeu? Uai, nem é nem. Leitor, você é meio burrinho ou é impressão?
      Preciso confessar algo: minha inclinação é para perdoar, com louvor, os deslizes vocabulares das mineiras. Aliás, deslizes nada. Só porque aqui a língua é outra, não quer dizer que a oficial esteja com a razão.
      Se você, em conversa, falar: 'Ah, fui lá comprar umas coisas...'... - Que' s coisa? - ela retrucará. O plural dá um pulo. Sai das 'coisas' e vai para o 'que'!
      Ouvi de uma menina culta um 'pelas metade', no lugar de 'pela metade'. E se você acusar injustamente uma mineira, ela, chorosa, confidenciará:
      - Ele pôs a culpa 'ni mim'.
      A conjugação dos verbos tem lá seus mistérios, em Minas...
      Ontem, uma senhora docemente me consolou: 'preocupa não, bobo!'. E meus ouvidos, já acostumados às ingênuas conjugações mineiras. nem se espantam. Talvez se espantassem se ouvissem um: 'não se preocupe', ou algo assim. Fórmula mineira é sintética. E diz tudo.
      Até o tchau, em Minas, é personalizado. Ninguém diz tchau, pura e simplesmente. Aqui se diz: 'tchau pro cê', 'tchau pro cês'. É útil deixar claro o destinatário do tchau... Na verdade, aqui se fala tiau!!! E é como eu me despeço docê!

Felipe Peixoto Braga Netto

Veja um vídeo deste texto adaptado: